Limpe embaixo do tapete
Dores escondidas vêm à tona como uma grande oportunidade de cura
Há muitas verdades que precisamos conhecer sobre nós mesmos para que possamos ser libertos de comportamentos que nos fazem sofrer. Mayner Ribeiro bem já disse: “A verdade vai acabando com as minhas mentiras.”
Devemos entender que a verdade e o amor nos curam. Sim, infelizmente vivemos muitos paradoxos. Por um lado, temos motivações inconscientes que produzem atitudes ruins. Por outro, tomar consciência delas pode produzir uma dor que, definitivamente, não queremos enfrentar.
Em todo o tempo, vivemos grandes dilemas, pois a verdade quer apontar nossas contradições, complicações emocionais, mentiras, tentativas de manipulação das pessoas, abusos verbais que cometemos, etc.
Sem ver e sem admitir muitas coisas em nós, não podemos amadurecer nem melhorar. Assim, fragilizamos nossa saúde mental. Fugimos das dores que nos cercam, bem como negamos aceitar que as temos, devido ao desconforto mental que nos causam, as quais nos geram angústia, medo, tristeza, culpa, irritação, dor, insônia e somatizações infindas.
Como você reage quando a verdade o confronta? Você considera que ela ilumina sua mente ou o maltrata quando mostra seus defeitos de caráter?
Pense bem! Ao se deparar com a verdade, você logo usa de justificativas para fugir dela?
Você já deve ter ouvido alguém dizer: “bebo demais porque meu marido não é romântico comigo” (a verdade é que lhe falta autocontrole); “dou propina porque é assim que o país funciona” (a verdade é que se trata de uma pessoa corrupta e gananciosa); “traí minha esposa porque ela não gosta de sexo como eu gosto” (a verdade é que esse tipo de homem gosta mais de sexo do que do matrimônio. Ele precisa aprender a amar); “tenho um amante porque meu marido não me dá atenção suficiente” (a verdade é que se trata de uma mulher carente e insaciável).
Sim, a verdade dói e muito!
O que você faz quando sente sua dor mental? Essa dor tem que ver com seu passado, com sua sensibilidade, vulnerabilidade; sua luta espiritual pessoal, e não apenas com os problemas atuais no casamento, no trabalho ou com os parentes.
Para algumas pessoas é tão difícil lidar com a própria dor que acabam atacando quem está por perto, sem motivo algum. Outras, se automedicam. Há também as que procuram anestesiar a precariedade da vida por meio das drogas ilícitas. Algumas comem demais ou ficam compulsivas por compras, sexo e trabalho. O problema é que mentir para si mesmo e para os outros não traz alívio real.
Sinceramente, machucar os outros não vai fazer ninguém parar de sofrer. Além disso, ninguém está disposto a ser “saco de pancada de outrem”. Despejando sobre os outros o lixo que é unicamente seu, o que conseguirá é causar afastamento, trazendo ainda mais dor à existência.
Fique pronto!
Anime-se! Há maneiras saudáveis de lidar com a dor pessoal. Então, o melhor mesmo é deixar de perturbar os outros pela própria incapacidade (temporária ou não) de administrar seu sofrimento emocional.
Quando estamos prontos, paramos de negar a dor e a encaramos de maneira consciente, verdadeira e honesta, admitindo que ela seja nossa, e que somos responsáveis por buscar formas e meios de lidar com ela construtivamente.
Se você ainda não está pronto, pode, pelo menos, parar de machucar as pessoas devido à ignorância quanto à causa da sua dor e por causa da sua inabilidade de lidar com ela.
Existir, talvez, não seja mesmo fácil. Todas as pessoas têm o que os filósofos chamam de “angústia existencial”. É algo pessoal, individual. Mas, em cima disso, é possível surgir ainda a “angústia de origem psicológica”, que se desenvolve pelos problemas emocionais na família de origem, nos relacionamentos afetivos, no casamento, etc.
Sentir a dor, dói. Mas quando sua mente começa a liberar a percepção dela, permitindo que ela entre no campo da consciência, aí está o começo da cura, não da doença.
Quando a dor aparece na consciência, é como aquela luz vermelha que acende no painel do seu carro indicando que algo está errado e demanda conserto. Se você pega um martelinho e quebra aquela lâmpada que emitiu a luz vermelha, o que ocorre? O problema está resolvido? Viajar, adquirir produtos, fingir que a luz não ascendeu vai adiantar? Não, pois não há nada que substitua a necessidade de buscar o conserto.
Sendo assim, comece admitindo que talvez você não deseje a verdade sobre si mesmo. Depois, escolha desejá-la. Em seguida, busque compreender o quê a verdade quer lhe mostrar sobre si mesmo para colocar você no caminho da cura. E quando começarem a surgir as compreensões e percepções, resista à dor, não mais fuja dela, e decida enfrentá-la com a força que a vida lhe dá. Eis o caminho da cura, da libertação que faz de você uma pessoa cuja vida emana significado.
Cesar Vasconcellos de Souza é psiquiatra
www.doutorcesar.com.br
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