Fé em meio à dor
Se Deus existe, por que sofremos?
Sofrimentos são difíceis de entender. Uma bala perdida que atinge fatalmente uma criança, um bêbado dirigindo que bate em outro carro matando os ocupantes, um acidente que produz tetraplegia. Em casos assim, é inevitável não se perguntar: onde estava Deus?
Apesar de a indagação ser totalmente compreensiva, o amadurecimento nos leva a enxergar a dor de modo diferente, como se ela não fosse uma inimiga, mas, ao contrário, como se ela estivesse nos ajudando ao emitir um sinal. A dor não existe para ser evitada a qualquer custo porque, na verdade, ela serve de proteção.
Sem dor nos machucaríamos muito mais, mas é ela quem nos avisa a hora de parar, de analisar sua fonte, e talvez mudar coisas no estilo de vida para que o sofrimento vá embora ou seja diminuído.
Forte não é quem não sente dor, medo, ansiedade ou tristeza. Forte é quem experimenta as emoções desagradáveis, dolorosas, e ainda assim não pega um caminho destrutivo, como os dos vícios ou até o do suicídio. É nas horas mais difíceis que entendemos o valor da prática da fé.
Mas a grande questão da vida religiosa é entender que o fato de crermos em Deus não elimina todas as dúvidas nem nos priva de todos os sofrimentos, pois por vezes a vida pode fugir do controle. Aceitar que coisas ruins também acontecem para as pessoas que buscam o bem é um grande passo para o crescimento pessoal e aprendizado quanto à dor.
Dor por todo lado?
Já reparou que até a natureza sofre? Os animais adoecem, as folhas das árvores morrem e caem, as pragas devastam plantações. Onde está a solução?
E quanto a nós? Por que Deus não responde nossas orações de modo prático? Por que quando precisamos tomar uma decisão, Ele não nos dá uma resposta clara, e temos que seguir, decidir, escolher, ter fé? O psicólogo e psicanalista Rollo May escreveu: “A existência nunca é automática” (“Existential Psychotherapy”, livreto Roche, p. 13, 1975). O desafio é dar passos no escuro, na indecisão, e mesmo assim crer que Deus está ali, nos ajudando.
Você pode ter pensamentos errados quanto ao sofrimento, atribuindo o mesmo a Deus ou achando que com Ele não haverá dor. Não consigo crer que Deus mande doenças sobre as pessoas e, portanto, o sofrimento. Por isso, também não tenho o direito de ficar do lado de quem está sofrendo e dizer: “Esta é a vontade de Deus” ou “você deve ter feito alguma coisa errada para merecer um castigo assim”.
Sofrer também não tem que ver com falta de espiritualidade, assim como a espiritualidade não garante sucesso na vida. Mas em qualquer uma das situações, a dor pode agir como um bom teste de fidelidade ao que se crê.
O sofrimento, por pior que seja, é capaz de nos transformar positivamente. Ele pode ser uma ferramenta para ajudar você a desenvolver qualidades. Deus nem sempre para nos privará da dor, mas muitas vezes a usará em benefício do nosso desenvolvimento.
Onde Deus está?
Onde Deus está quando a dor chega? Bem, Ele pode estar em qualquer lugar: no coração, nos ajudando a mudar o mal em bem. Ele pode tirar o bem do mal, mas não causa o mal na esperança de produzir o bem.
Quem sofre tem duas escolhas: deixar a raiva tomar conta, indo em desespero contra Deus, ou aceitar (o que é diferente de concordar) a provação como uma oportunidade de amadurecimento.
Em meio à dor:
• Olhe para cima;
• Não conte com sentimentos para crer. Fé não é sentimento.
• Se seu sofrimento é fruto de erro seu, se arrependa, peça perdão e não mais o repita.
• Lembre-se de que o mais importante não é saber o porquê do sofrimento, mas como reagir a ele.
• O sofrimento serve para revelar à nossa consciência defeitos de caráter que precisam ser modificados.
Cesar Vasconcellos de Souza é médico psiquiatra
www.doutorcesar.com.br
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