quinta-feira, 21 novembro

É verdade

Texto por: Agatha Lemos 30 agosto, 2019 10 comentários

Há poucos meses, o célebre padre Fábio de Melo declarou que deixaria o Twitter, sua rede social favorita que contava com mais de seis milhões de seguidores. O motivo? Afrontas e acusações que ele passou a receber logo após ter opinado sobre a controversa lei que permite, por exemplo, que pessoas como Alexandre Nardoni – acusado da morte da própria filha em 2008 – ou Suzane Von Richthofen – acusada por planejar a morte dos pais em 2002 –, saiam da prisão no dia dos pais.

Apesar de o padre já ter atuado na pastoral carcerária e não ter minimizado a relevância da ressocialização dos detentos, ele levantou a questão da coerência da saidinha em datas tão emblemáticas, que parecem em total desacordo com a conduta dos citados. Explicando um pouco mais seu posicionamento, o padre defendeu que eles saíssem em outros feriados, no dia de finados, quem sabe, a fim de refletirem sobre o que fizeram, ou outra data que causasse menos “estranheza”.

Acontece que muita gente não gostou da tuitada e passou a ofender o padre, chamando-o de justiceiro, desinformado e até canalha. Fábio de Melo, que já sofreu com depressão e síndrome do pânico, decidiu se retirar da rede alegando que o local deixou de ser saudável para ele.

“Julgar” x opinar

Tenho observado como tem sido cada vez mais difícil opinar. Sim, opinar! É importante lembrar que nem toda opinião tem como objetivo “julgar”. Aliás, “julgar” virou a palavra mais clichê do momento. Dentro e fora de contexto, usa-se “julgar” para tudo, até para o que está longe de ser um julgamento.

Definitivamente, vivemos em uma época de colapso interpretativo. Para agravar a situação, toda e qualquer opinião divergente é levada para o âmbito pessoal. É como se tivéssemos chegado ao caos narrativo. Eu falo A, fulano entende B, beltrano entende C e antes mesmo que eu conclua o pensamento A, fulano e beltrano já estão se engalfinhando comigo e entre si.

A ansiedade por ter razão tem cegado a própria razão. E quando os argumentos chegam à falência, sobram apenas as ofensas pessoais. Não é possível discutir ideias nem conceitos, pois tudo se tornou reduto de “julgamento”. 

O pior de tudo é que aquele que acusa o outro de estar “julgando” está fazendo o mesmo. E assim, partindo de uma suposta moralidade superior, a falácia do “não julgar” avança em cada brecha da incoerência humana.

Contudo, é preciso atentar para a raiz do problema: a relativização da verdade. A verdade que nada mais é do que o próprio fato, ou seja, a expressão da realidade. A verdade sempre será absoluta porque ela é o fato. Ponto final. O que podemos relativizar são os contextos – estes sim são infinitamente variáveis. Mas a verdade é tão somente a realidade.

Mas na atual conjuntura, em que ninguém ouve ninguém, mas fala sem pensar, conseguir interpretar a realidade pode ser um tremendo desafio! Será que não está na hora de reaprendermos a dialogar? De reaprendermos a esperar o outro concluir antes de lançarmos mãos às pedras? Será que não está na hora de fazer valer nosso discurso sobre tolerância? Afinal de contas, precisamos ou não aprender a diferenciar o emitir uma opinião do emitir um juízo de valor?

Eu sei que muitas vezes a realidade pode ser assustadora e por isso criamos manobras para que ela se curve ao nosso gosto particular. Mas saiba que nenhuma mente pode ser saudável vivendo na negação da realidade. Ela é o confronto inevitável para o amadurecimento do ser humano.

Paremos de lutar contra a realidade! Aceitemos os fatos tais quais eles são, mas com sensibilidade para avaliar de que maneira ele afeta os mais variados contextos. “Sejam completamente humildes e dóceis, e sejam pacientes, suportando uns aos outros com amor”, Efésios 4:2.

Agatha Lemos é Jornalista, mestre em Ciência, editora associada de Vida e Saúde

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