quinta-feira, 21 novembro

O tronco parecia arder em chamas, a partir do ventre em direção ao peito. A sensação de areia nos olhos deixava a visão cada vez mais embaçada. O desconforto nos braços e a dor de cabeça não se assemelhavam a experiências anteriores, causando mal-estar e crescente cansaço. Ele não estava gripado, com alguma infecção ou qualquer doença. Quanto mais frequentes se tornavam as ameaças de invasão do país no qual residia, mais estressado o personagem ficava. Pouco a pouco, o corpo reagia de modo estranho. Ele não sabia, mas o disparo de adrenalina na corrente sanguínea elevava sua frequência cardíaca e a pressão arterial, liberando o hormônio cortisol, produzido pela glândula suprarrenal, aumentando os índices de glicose no sangue. 

A elevação da glicose causava efeitos semelhantes àqueles sentidos por quem já desenvolveu diabetes. Acrescente-se aqui o desejo de ingerir qualquer bebida, alimentar-se fora dos horários habituais das refeições, boca seca e rachaduras nos lábios, aparecimento de infecções de pele e no aparelho urinário. Alguns têm muita vontade de urinar, principalmente à noite, outros não. Há quem sofra de formigamento e rachadura nos pés e cotovelos ou até mesmo cãibras. 

Bastou um exame de sangue para constatar o surpreendente resultado: a glicose disparou para elevados 258 miligramas por decilitro. Não havia risco de desidratação grave, hemorragia ocular por causa de descolamento de retina, confusão mental, coma ou morte. Isso acontece somente quando os índices superam os 800 mg/dl. Mesmo assim, o resultado alertou para um novo estado do corpo, necessitando exames clínicos e acompanhamento médico, provavelmente com prescrição de medicamentos. 

Com quase 70 anos de idade, a senhora aguardava deitada em uma maca para ser conduzida à sala de cirurgia, onde trocaria o cristalino natural, deteriorado pela catarata, por um artificial. Ao lado, o médico anestesiava o primeiro paciente. Tensa, com os batimentos do coração acelerando, sentiu-se mal, as vistas ficaram turvas, e a tontura lhe provocou a impressão de que a sala girava sem parar. Ao perceber a reação incomum, a enfermeira-assistente do cirurgião oftalmológico a atendeu e compreendeu os sintomas. A paciente controlava um diabetes tipo 2 havia duas décadas, sem transtornos. Todavia, a iminente e dolorida anestesia, o desenrolar do pro-cedimento e a incerteza de recuperação da visão a estressaram. O médico não teve dúvidas e cancelou a cirurgia em decorrência dos riscos para a paciente. 

Tipos de diabetes 

O diabetes tipo 1 é uma falha na produção de insulina nas ilhotas pancreáticas provocada por alteração genética. De natureza autoimune, esse tipo de diabetes aparece geralmente na infância, não havendo nenhuma cura. Por outro lado, o diabetes tipo 2 se desenvolve na idade adulta como resultado de alimentação inadequada, sedentarismo e até mesmo estresse 

Considera-se diabético quem apresenta níveis de glicose superiores a 126 mg/dl no sangue. Quem se mantém em níveis normais tem entre 70 e 99 mg/dl. Enquadra-se no grupo de pré-diabéticos quem tem índice superior a 99 e inferior a 126 mg/dl. 

O aumento da resistência insulínica durante a gestação gera a hiperglicemia na mulher grávida, exigindo rigoroso controle da alimentação e das atividades físicas. Caso não receba a devida atenção da parte do obstetra ao longo do pré-natal, as consequências afetarão tanto a gestante quanto o feto.

Nos últimos anos, profissionais da área da saúde estudam o “diabetes emocional”, expressão da qual a doutora Tânia Cristina de Oliveira, professora do curso de Medicina da Universidade Federal

 do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e uma das mais renomadas pesquisadoras do diabetes, discorda, “porque ele não é emocional, mas um diabetes tipo 2 relacionado ao estresse”. Para a pesquisadora, a expressão pode dar “a falsa impressão de que alguém ansioso desenvolverá diabetes”, quando isso não acontecerá necessariamente. Por si só, o estresse não induz o diabetes, entretanto, novas evidências demonstram as conexões entre o estresse e o aparecimento do diabetes tipo 2. 

Efeitos e vilões 

Não é novidade o dano causado pelo açúcar no organismo humano. Até mesmo os animais estão sujeitos às consequências da ingestão desse produto derivado da cana. Ao consumir excessivamente o açúcar e seus subprodutos, há risco de desenvolver depressão, pois eles inflamam o corpo e ativam o sistema de recompensas. Ou seja, tornam-se viciantes. Quem se acostumou a beliscar um docinho após o almoço certamente chegará ao momento em que provará uma porção maior de sobremesa. 

O envelhecimento dérmico se relaciona ao consumo de açúcar, prejudicando a circulação sanguínea e aumentando os riscos de derrame e ataque cardíaco. O mau hábito de beber refrigerante, como se fosse água, não mata a sede. Pelo contrário, o indivíduo se torna cada vez mais suscetível a doses mais elevadas da bebida açucarada. A ingestão desse tipo de bebida também contribui para o desequilíbrio do pH vaginal e pode ser um dos fatores desencadeadores da disfunção erétil masculina. 

Atletas que se acostumaram a comer uma barra de chocolate ou uma fatia de goiabada antes das competições de alto desempenho podem sofrer de artrite depois de se afastarem do cenário esportivo. O açúcar aumenta a quantidade de citocinas no sangue, causando inflamação e diminuindo a capacidade imunológica do corpo. 

Conhecida como doença silenciosa, o diabetes compromete diversos sistemas, aparelhos e órgãos do corpo, alguns chamados de “órgãos alfa”. Um deles é o rim, cujo sistema de filtração do sangue deixa de funcionar adequadamente devido à elevação do nível de glicose. A vasculite do órgão evolui para a insuficiência renal. Outra forma de desenvolver o diabetes ocorre quando os níveis de hormônios do estresse extrapolam e atingem o pâncreas, diminuindo a produção de insulina. 

Quem tem propensão ao diabetes não pode se iludir e achar que uma alimentação natural à base de frutas resolverá a situação. Algumas frutas contêm elevado índice de açúcar, cuja frutose pode se transformar em “açúcar ruim”, lesando quem apresenta tendência à doença. O açúcar não é o único vilão protagonista do diabetes, pois o carboidrato presente no macarrão, no pão de farinha branca e nos farináceos refinados também gera açúcar ao ser metabolizado. “Não basta tirar o açúcar. Também não é só o açúcar o causador do diabetes, mas uma conjunção de fatores”, explica a doutora Tânia. A pessoa pode comer rapadura e não ter diabetes, enquanto outra sequer pode ingerir manga, banana, pêssego e determinadas frutas com muita frutose. 

Uma das sequelas é a amputação de membros, pois, ao aparecerem feridas nos pés (conhecidas como pé diabético), que são difíceis de tratar, a pessoa precisa urgentemente buscar orientação médica, haja vista se encontrar em estado avançado da doença. 

Segundo a doutora Tânia, “um paciente que tem 126 mg/dl de glicemia no sangue pode voltar a ser pré-diabético e até normal. Basta tomar a saúde nas mãos e levar a sério as prescrições”. Se o paciente desenvolver uma retinopatia diabética, provavelmente chegará à cegueira, com mais chances de vasculites e insuficiência venosa, causando trombose. Quem é pré-diabético, para a pesquisadora, “ao se manter abaixo dos 126 mg/dl, precisa acompanhar e ter consciência de que tem um risco, mas não terá nenhuma consequência”. 

Aos pacientes com potencial diabético agravado, os endocrinologistas prescrevem medicamentos que ajudam a baixar os níveis de glicose e reforçar a estrutura das veias e artérias. Paralelo ao tratamento sob orientação médica, é preciso alterar hábitos, principalmente aqueles relacionados à alimentação e aos exercícios físicos diários. Certos legumes sugam o açúcar do sangue, diminuindo os índices glicêmicos, tais como cenoura, brócolis, abobrinha, jiló e berinjela. 

Estresse e emoções 

Ao se posicionar diante de um desafio, seja ele uma cerimônia de casamento, dor, morte de um parente ou amigo, acidentes, viagens aéreas, com-petição esportiva, prova de um concurso de emprego, exame em uma matéria acadêmica, investi-mento financeiro malsucedido, dívidas insolúveis, desemprego, pagamento de impostos, desavenças conjugais, cirurgias, doenças, medos ou qualquer outro, o sistema nervoso envia uma mensagem às glândulas suprarrenais, liberando os hormônios cortisol, adrenalina e noradrenalina. Ao entrarem na corrente sanguínea, esses hormônios elevam o nível glicêmico nos músculos e, com mais intensidade, no cérebro. 

O ritmo de vida contemporâneo tornou o estresse um ato contínuo, estreitando a relação entre o aumento dos hormônios reativos, que aumentam também a força e a velocidade, e odesenvolvimento do diabetes. A ingestão de medicamentos com corticoides durante um período superior a cinco dias coloca a pessoa em risco, podendo também elevar a glicemia. Essa relação revela até diagnósticos de cegueira por glaucoma, catarata – ambos ainda em estudo – e, principalmente, descolamento de retina. 

Para quem tem diabetes tipo 1, a glicemia se eleva ou diminui, em casos de hiperglicemia e hipoglicemia. Naqueles que estão com diabetes tipo 2, a glicemia apenas aumenta. Quando ambos se submetem ao estresse, a glicemia sempre sobe. 

No podcast Diabetes Emocional 44 (diabetes.org. br/podcasts), o especialista e pesquisador Fernando Valente sustenta que “a saúde emocional pode impactar diretamente na glicose”, pois, diante do estresse, os níveis de glicose se elevam na corrente sanguínea devido à produção de adrenalina e cortisol. Havendo predisposição genética, essa liberação de hormônios, com o consequente aumento da glicemia, “pode ser um gatilho para o desenvolvimento do diabetes tipo 1”, complementa o doutor Valente. Em geral, quem vive em países com pouca incidência solar sofre com a ausência de vitamina D, necessária para o equilíbrio da saúde mental, quadro que piora entre aqueles que não praticam diariamente atividades físicas e não se preocupam com uma alimentação saudável. 

Nesse mesmo podcast, Fred Prado, que comanda as redes sociais denominadas “Vida de Diabético”, revela haver “mais de trinta gatilhos que ajudam a desenvolver o diabetes”. Para a doutoraTânia, o diabetes tipo 2 se relaciona mais com essa variante proveniente do estresse. Pessoas que vivem sob tensão podem impedir ou minimizar os efeitos do aumento da glicose por meio de exercícios físicos, por exemplo. “Uma caminhada de uma hora e quinze minutos está de bom tamanho”, recomenda a doutora, pois meia hora é pouco tempo para dar conta do aumento de noradrenalina, adrenalina e cortisol no sangue para quem sofre com estresse continuado. 

O conhecimento a respeito das causas do diabetes mudou na última década. Todavia, se existisse um avanço real no tratamento, provavelmente não houvesse mais diabéticos. Sabe-se que o diabetes tipo 1 não tem cura, mas, “para tratar o diabetes tipo 2”, segundo a doutora Tânia, “é preciso fazer mais exercícios, perder peso, diminuir massas na alimentação, ter uma vida com menos estresse”. No entanto, a maior parte dos pacientes dificilmente segue as orientações dos especialistas da saúde. 

A fim de lidar com o problema, cabe a cada pessoa conhecer bem e identificar o que a incomoda e estressa, “procurando desenvolver atitudes que a tragam para o eixo”, indica a pesquisadora. Caso o indivíduo não aprenda a conviver com a nova condição, enfrentá-la ou se adaptar a ela, reações intempestivas apenas piorarão o quadro sintomático clínico. Em situações extremas, a professora Tânia aconselha a necessidade de se “recorrer a outros especialistas para um tratamento transversal, interdisciplinar”, a fim de que uma equipe multiprofissional acompanhe o paciente. 

Últimas pesquisas 

Artigos publicados nas últimas duas décadas apontam para a relação entre o estresse e o desenvolvimento de diabetes tipo 2. Pesquisadoras da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) associaram “a necessidade de medidas que incluam o controle de estresse ao tratamento preconizado para essa doença”. No caso, o diabetes tipo 2, “com a finalidade de melhorar os níveis glicêmicos e prevenir o aparecimento de complicações”.¹ 

Em um artigo a respeito da relação entre o diabetes tipo 2 e a saúde mental, pesquisadores da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)² concluíram que as chances de depressão para quem tem essa doença aumentam de duas a três vezes. Tanto a depressão quanto a ansiedade elevam em 60% os riscos de se desenvolver o diabetes tipo 2, pois o eixo que regula a produção hormonal no cérebro faz com que o corpo libere os hormônios contra reguladores, “possibilitando o aumento dos níveis de glicose no sangue” (BOFF, 2021, p. 91). A liberação de cortisol durante o estresse crônico também resulta em resistência insulínica. 

O doutor Mark Peakman, professor do King’s College de Londres, menciona que “o estresse por si só não causa diabetes. Mas há algumas evidências de que pode haver uma relação entre o estresse e o risco de diabetes tipo 2”.³ Peakman percebe na elevação dos níveis de hormônios do estresse a tendência de impedir o funcionamento normal das células produtoras de insulina no pâncreas, contribuindo para o desenvolvimento do diabetes tipo 2. 

Para Peakman, o hábito de se alimentar em demasia quando se encontra em estado de estresse também despeja a glicose no sangue, desenvolvendo o diabetes tipo 2. Apesar das informações mais recentes que auxiliam os médicos a dialogar com os pacientes sobre o manejo dos sentimentos, ainda continua difícil evitar que alguns ganhem peso. Em acordo com outros pesquisadores, o indivíduo diagnosticado como pré-diabético por causa de trauma emocional precisa se conscientizar da obrigação em alterar hábitos e rotinas, a fim de obter qualidade de vida. 

O que fazer 

Ao prescrever medicamentos para baixar os níveis de glicose, o médico recomenda fármacos para inibir a recaptação da serotonina. Segundo a farmacêutica e nutricionista Keilla de Souza Conrado Voloschen, para que o paciente não se torne dependente de prescrições medicamentosas, “é fundamental a aderência às mudanças de estilo de vida e a monitorização da glicemia”. 

Para quem deseja e demonstra vontade de modificar os hábitos, a fim de reverter o diabetes tipo 2, não basta optar por uma alimentação saudável sem açúcares, gorduras, frituras, massas e industrializados, tentando controlar o peso; é preciso controlar as emoções. Quando o cortisol, um dos hormônios do estresse, se eleva, “ocorrem alteração da glicemia, diminuição da serotonina e piora do padrão emocional”, explica Keilla. A nutricionista recomenda exercícios físicos para “aumentar a massa magra”, estimulando o “gasto calórico” e o controle de peso. Ela lembra que a qualidade do sono auxilia na redução e restrição da “concentração de cortisol”. Uma noite bem dormida ajuda a frear o desejo de se alimentar em qualquer hora e auxilia na força de vontade para não nutrir o corpo com produtos agressivos. 

Em um país cujos alimentos naturais não se ajustam ao orçamento doméstico, o custo da dieta ideal se transforma em barreira, impedindo qualquer mudança de hábitos. Keilla sugere a aquisição de produtos saudáveis em locais que ofereçam promoções, tais como sacolões, feiras livres, atacadões e supermercados, não se esquecendo de “realocar o dinheiro gasto com alimentos não saudáveis, com alta concentração de açúcares e gorduras para comprar alimentos saudáveis”, pois investir em  “alimentos integrais e saudáveis reduz o gasto com tratamentos e medicamentos”. 

Em uma sociedade cada vez mais estressada devido a multifatores que extrapolam até mesmo o controle da própria agenda, cabe ao afetado pelas circunstâncias colocar um freio nas ações. A partir dessa parada, refletir sobre a condição fisiológica, mental e espiritual, a fim de tomar decisões sábias com vistas à transformação dos hábitos. 

 

 

 

 

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