quinta-feira, 21 novembro

Melhora do desempenho físico, aumento de massa muscular e prevenção de doenças crônicas são alguns dos benefícios apregoados por aqueles que fazem uso da suplementação de creatina. Mas, afinal, o que é creatina e quais são seus efeitos no organismo? 

Creatina é um composto produzido pelo corpo, principalmente no fígado, nos rins e no pâncreas, a partir dos aminoácidos glicina, arginina e metionina. Ela desempenha papel crucial na produção de energia, principalmente durante atividade física curta e de alta intensidade. Isso porque no corpo ela será convertida em uma molécula denominada fosfocreatina, a qual ajuda a repor o ATP (trifosfato de adenosina), a principal “moeda energética” das células, em uma das principais vias metabólicas do corpo. Esse processo ocorre porque em atividades físicas curtas e de alta intensidade, como levantamento de peso ou corrida de velocidade, o ATP é rapidamente consumido. A fosfocreatina então entra em ação, permitindo que os músculos mantenham seus esforços de alta intensidade. 

Mas, então, a suplementação de creatina deve ser feita somente por atletas ou praticantes de atividades físicas, correto? Apesar de ser amplamente usada por atletas e entusiastas do condicionamento físico, a suplementação com creatina oferece outros vários benefícios potenciais para diversos grupos de pessoas, como os idosos, por exemplo. O organismo possui a capacidade de produzir aproximadamente 1 grama de creatina por dia e, dependendo da massa corporal do indivíduo, a necessidade diária de creatina é de aproximadamente 2 a 3 g/ dia. Assim, o restante deve ser obtido por meio da alimentação ou da suplementação. 

Apesar de ser possível encontrar creatina em alimentos de origem vegetal, as principais fontes da substância são os alimentos cárneos. Entretanto, é importante ressaltar que o preparo desse alimento elimina boa parte da concentração da creatina existente nele. Ademais, 1 kg de carne bovina contém apenas 4 g de creatina; em compensação, possui 119 g de gordura. 

CREATINA MONOIDRATADA

A creatina monoidratada é a forma mais comumente vendida para suplementação e é obtida por meio de um processo químico simples, no qual as moléculas de creatina são associadas a moléculas de água. O processo resulta em um pó branco, constituído por 88% de creatina e 12% de água, que é a forma como o suplemento é geralmente vendido. A molécula assim estruturada é estável, eficaz e segura, contudo, essa é a forma de creatina com diluição e absorção mais lentas.

Além da creatina monoidratada, outras formas disponíveis no mercado são a creatina HCL, na qual foi adicionado um cloridrato tornando-a mais solúvel, ou seja, com uma absorção mais rápida, e a creatina micronizada, semelhante à monoidratada, mas que passa por um processo químico para diminuir suas partículas. Esse processo também proporciona o efeito de uma absorção mais rápida, diminuindo possíveis desconfortos estomacais. 

Apesar da alegada absorção mais lenta, a creatina monoidratada é também uma das composições mais estudadas e com efeitos positivos mais bem descritos na literatura. Por ter se popularizado na década de 90, já existem muitas evidências de seus efeitos. Estudos clínicos publicados até o momento revelam que, para fins de suplementação, a creatina monoidratada é considerada a forma mais eficaz e am-plamente recomendada. Esse, inclusive, é o tipo mais bem aceito pelas autoridades mundiais de alimentos como, por exem-plo, a Autoridade Europeia para a Seguran-ça dos Alimentos, que em sua avaliação de segurança da creatina faz referência direta à creatina monoidratada. 

SUPLEMENTAÇÃO 

A via de administração da creatina por suplementação é a oral, sendo mais frequentemente encontrada em pó e sob as formas de tabletes e cápsulas. Outra forma comum de suplementação é a do soro de creatina sublingual; nessa forma sua absorção é rápida, repondo os níveis de ATP em poucos minutos. 

A creatina efervescente é também uma fórmula com boa disponibilidade e, em termos de sabor, também apresenta boa palatabilidade. Além disso, o gás carbônico contido na fórmula promete maximizar a absorção do sal de creatina dentro das fibras musculares. Contudo, é sempre melhor optar por fórmulas que não contenham corantes, açúcares, adoçantes nem aditivos químicos dispensáveis, a fim de evitar elementos indesejáveis. 

Por fim, algumas pessoas optam por consumir barras com creatina. Todavia, deve ser avaliada a alta presença de carboidratos simples nesses alimentos, os quais podem também ser dispensáveis e até prejudiciais na dieta. 

Existem diversas opções disponíveis de suplementos com creatina vegana e monoidratada, isentas de corantes, conservantes e outros aditivos. Dê sempre preferência aos suplementos com selos de pureza e de origem confiável. A diferença dos resultados será notável tanto no desempenho na atividade física quanto na disposição para o dia a dia. 

Mas atenção! Apesar dos benefícios mencionados, é essencial consultar um profissional de saúde antes de iniciar o processo de suplementação e seguir as instruções de dosagem indicadas. A dosagem e a forma do suplemento podem variar bastante de pessoa 

para pessoa, tanto com base no peso corporal e no percentual de músculos em relação à gordura, quanto em outros fatores, como, por exemplo, o tipo, a duração e a intensidade do treino, a sensibilidade gastrointestinal e os objetivos individuais. 

Ressalta-se que alguns dos benefícios e relações entre a suplementação com creatina e os resultados que mencionaremos a seguir são fruto de pesquisas iniciais e não devem ser tomados como diretrizes nem protocolos de prescrição médica. 

CREATINA E GRAVIDEZ 

Assim como ocorre comumente com outros nutrientes, durante a gravidez há um aumento na demanda e utilização de creatina. Muitos obstetras com especializações na área da nutrologia receitam a suplementação com creatina por parte das gestantes. 

A Dra. Bruna Pitaluga, ginecologista obstetra, com especialização em Medicina Funcional, pelo Instituto de Medicina Funcional (EUA), e Nutrigenômica, pela Universidade da Carolina do Norte, aponta que a creatina é um suplemento essencial para o espessamento do endométrio, tecido que recobre o útero, e que esse processo é extremamente importante para a implantação do embrião em formação, ou seja, trata-se de um suplemento do qual mulheres que estão tentando engravidar ou que passarão por processos de fertilização in vitro poderiam se beneficiar. 

A médica afirma que indica o suplemento para as gestantes que ela acompanha, especialmente aquelas com dieta exclusivamente à base de plantas. Ressalta ainda que, dependendo da dieta e do estilo de vida da gestante, o suplemento será ainda mais relevante no terceiro trimestre, fase em que ocorre hipertrofia das células e alta demanda proteica para a construção dos músculos do bebê. 

Além dos pontos já expostos, um estudo com camundongos revelou que a suplementação materna de creatina desde o meio da gravidez protege o diafragma do recém-nascido contra danos induzidos por hipóxia no nascimento. Recentemente também foi publicada uma revisão de estudos experimentais que sugere um tratamento com creatina para melhorar a morbidade fetal e neonatal e reduzir a mortalidade na gravidez humana de alto risco. Os resultados apontam que a suplementação de creatina durante a gravidez pode trazer benefícios para o feto e o recém-nascido, especialmente em casos de restrição de crescimento fetal, parto prematuro ou privação de oxigênio do recém-nascido. 

CREATINA E CÂNCER 

Resultados promissores também têm sido apontados pelo uso da creatina por pacientes com câncer. Nos últimos anos, alguns estudos têm apontado para uma ação antitumoral da creatina, com redução do crescimento de tumores em modelos animais. 

Além disso, um dos grandes desafios nutricionais durante o enfrentamento do câncer é a redução da perda de massa muscular, tendo em vista que esse quadro está associado à piora do prognóstico do paciente, maior risco de morte, mais dias de internação, assim como mais complicações durante o processo de quimioterapia. Sabendo dos benefícios da creatina na manutenção e no crescimento muscular, o uso desse suplemento pode ser indicado para pessoas que estejam enfrentando a doença. Inclusive, já existem estudos em humanos mostrando aumento de força muscular e redução do ganho de gordura corporal em pacientes com câncer que usaram a creatina. 

É importante destacar que não somente a perda de massa magra, mas também o aumento da gordura corporal são fatores de mau prognóstico para o câncer, haja vista que estão associados ao aumento do risco de recidiva e ao surgimento de outros tipos de câncer em um paciente já curado. Assim, o uso da creatina e seu efeito no aumento da disposição para a prática de atividades físicas pode ser benéfico também nesse sentido. 

CRESCIMENTO MUSCULAR 

Além de fornecer energia durante atividades de alta intensidade, reduzindo a percepção de esforço e a fadiga muscular, a creatina também promove o aumento da massa muscular por meio da retenção de água nas células, o que leva a um aumento no volume delas. 

O composto também pode contribuir para o crescimento muscular ao longo do tempo, tendo em vista que melhora o desempenho nos treinos e ajuda a diminuir a degradação de proteínas musculares, o que é especialmente importante durante períodos de treinamento intenso ou restrição calórica. 

Sabendo de seus efeitos no crescimento e na manutenção da força muscular, a suplementação com creatina tem sido largamente indicada para idosos, uma vez que há perda progressiva de massa magra com o passar dos anos, e sua manutenção é extremamente importante para a qualidade de vida e a independência, à medida que envelhecemos. 

DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS

Pesquisadores também apontam que a suplementação de creatina pode ter benefícios cognitivos e efeitos proteto-res sobre condições neurológicas. Tais análises baseiam-se especialmente no fato de que a creatina possui propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, podendo ajudar a proteger as células cerebrais contra danos. 

Embora ainda recentes, os estudos concluíram que a suplementação de cre-atina mostrou ser eficaz para melhorar a bioenergética do cérebro, assim como para retardar a progressão da atrofia cerebral. Além disso, a suplementação com creatina foi associada ao aumento da excitabilidade corticomotora e da utilização de oxigênio no cérebro, o que promove a melhora no desempenho cognitivo. 

Embora não haja estudos com qualidade e consistência para apontar os benefícios diretos da suplementação com creatina na doença de Parkinson, pesquisas iniciais sugerem que seu uso pode ter benefícios cognitivos, incluindo a melhora no humor dos pacientes que fizeram uso da suplementação. 

No entanto, os resultados dos estudos sobre o uso da creatina em doenças neurodegenerativas são mistos; nas Doenças de Alzheimer e Esclerose Lateral Amiotrófica, por exemplo, a creatina não demonstrou melhora nos pacientes. Em todo caso, mais estudos devem ser realizados para evidenciar se o suplemento pode ser incluído como intervenção terapêutica. 

TRANSTORNO BIPOLAR E DEPRESSÃO 

A suplementação de creatina tem se mostrado promissora como complemento à medicação para o tratamento de distúrbios relacionados ao cérebro associados ao metabolismo energético disfuncional, incluindo distúrbios psiquiátricos. 

Estudos das últimas décadas têm apontado que a suplementação de creatina melhora comportamentos depressivos desencadeados pela ação da corticosterona em camundongos. Outros pesquisadores reforçam que a suplementação com creatina tem potencial para tratar ampla gama de doenças do sistema nervoso central e que pode apresentar propriedades antidepressivas. Estudos recentes também sugerem que a suplementação com creatina monoidratada pode ter papel no tratamento adjuvante da depressão, pois mostra superioridade significativa no critério de remissão em comparação ao placebo. 

Embora não seja consenso na literatura a suplementação de creatina também tem sido apontada como útil no transtorno bipolar, tendo em vista tratar a disfunção mitocondrial e reduzir sintomas subsindrômicos. Em um estudo recente, a suplementação de creatina monoidratada por seis semanas foi associada à melhora nos testes de fluência verbal em pacientes com transtorno bipolar; além disso, seu uso também está associado a uma diminuição de 56% nos escores de depressão em adolescentes do sexo feminino com transtorno depressivo. 

SAÚDE ÓSSEA 

Há evidências indicando que a creatina pode melhorar a cicatrização óssea, principalmente após fraturas ou lesões. A suplementação de creatina em ratos jovens possibilitou um aumento na densidade mineral óssea e na carga de flexão femoral na falha, sugerindo benefícios potenciais para a função e a estrutura óssea. 

A suplementação desse composto, combinada com treinamento de resistência, aumentou a densidade mineral óssea em idosos. Esse resultado pode estar potencialmente associado ao aumento da massa muscular e ao aumento da tensão óssea nos locais de fixação do músculo. Resultado similar foi encontrado em outro estudo que apontou que a suplementação de creatina combinada com treinamento de resistência melhora a massa muscular, a força da parte superior do corpo e a densidade mineral óssea no envelhecimento da saúde musculoesquelética. 

Pode-se afirmar, nesses casos, que foi o treinamento físico, não a suplementação de creatina, que melhorou a saúde e a força óssea. Entretanto, sabendo que já é consenso entre os cientistas o fato de que a suplementação de creatina permite melhor fornecimento energético às células em caso de atividades físicas intensas, além de melhorar a força e o tônus muscular, é natural atribuir também à suplementação os resultados acima pontuados. 

Outra pesquisa mostrou que a suplementação de creatina monoidratada reduziu marcadores de degradação óssea em meninos com distrofia muscular de Duchenne, fato que também desperta a atenção para seus efeitos em caso de doenças cujos sintomas estejam de alguma forma associados à redução da força muscular. 

SAÚDE CARDÍACA 

As pesquisas na área da saúde cardíaca, além de revelarem que a suplementação de creatina em pessoas saudáveis é segura e não possui efeito negativo detectável na estrutura ou função cardíaca, também indicam que a suplementação em pessoas com insuficiência cardíaca crônica aumentou o desempenho dos pacientes tanto em força quanto em resistência, e atenuou a resposta metabólica anormal do músculo esquelético ao exercício nesses indivíduos. 

Uma pesquisa de 2012, descrevendo as perspectivas farmacológicas e clínicas da fosfocreatina, indicou que a suplementação do composto melhora o desempenho muscular cardíaco e esquelético, mantendo os reservatórios locais de ATP e estabilizando as membranas celulares. 

Por fim, outra pesquisa apontou que o pré-tratamento com creatina pode reduzir os danos induzidos por isquemia no coração e no cérebro em pacientes com risco, beneficiando potencialmente ambos os órgãos. 

CREATINA E DIABETES 

As pesquisas em geral combinam a suplementação de creatina com treinamento físico, e os resultados indicam que essa relação pode melhorar o metabolismo da glicose e ser uma potencial intervenção antidiabética. A suplementação de creatina por pessoas com diabetes tipo 2 se mostrou eficaz, visto que melhora o controle glicêmico a longo prazo. Ademais, também foi encontrado que a suplementação de creatina não prejudica a função renal em pacientes diabéticos tipo 2, permitindo o alcance de seus potenciais papéis terapêuticos para essa população 

Em um modelo animal com diabetes tipo 2 hereditário, a suplementação de creatina aumentou o conteúdo de creatina muscular e reduziu o índice insulinogênico, melhorando potencialmente a sensibilidade à insulina em locais extrapancreáticos. Outro achado indica que a suplementação de creatina combinada com treinamento aeróbico pode melhorar a tolerância à glicose em homens saudáveis e sedentários, mas não afeta a sensibilidade à insulina. 

EFEITOS ADVERSOS E CONTRAINDICAÇÕES 

Diante da eficácia do uso desse suplemento em diferentes condições clínicas, a creatina tornou-se um dos suplementos mais consumidos em todo mundo. Em geral, o que se tem visto em pesquisas é que seu uso contínuo e em dosagens prescritas não provoca nenhum efeito colateral. Há pesquisas que, inclusive, apontam que a ingestão de doses elevadas de creatina por períodos curtos – de até oito semanas –, bem como a ingestão de baixas doses tomadas por cinco anos, são consideradas sem risco, não apresentando efeitos colaterais indesejáveis. 

Entretanto, embora geralmente seja considerada segura, algumas pessoas podem apresentar desconforto gastrointestinal associado ao seu uso. Assim, é importante novamente reforçar que é sempre aconselhável consultar um profissional de saúde antes de iniciar a suplementação, de modo a verificar a dosagem a ser utilizada, tendo em vista que ela varia de acordo com o objetivo e a necessidade do uso. 

É importante notar que os resultados da suplementação com creatina podem variar de pessoa para pessoa e, por razões distintas, é possível que nem todos experimentem os mesmos benefícios. Também é essencial pontuar que os suplementos nunca serão substitutos de uma alimentação saudável e de bons hábitos, como a prática de exercícios físicos. Embora suplementos possam ser aliados para dar um pouco de vantagem, quando você está com déficit de certos nutrientes ou falta de disposição, a melhor forma de obter macronutrientes, vitaminas, minerais e antioxidantes será sempre por meio de uma dieta saudável e variada. 

E, por fim, é importante reforçar que, especialmente para pessoas com condições de saúde pré-existentes, é essencial consultar um profissional de saúde antes de iniciar a suplementação e seguir as diretrizes prescritas. 

Mayara Lustosa

Bióloga, mestre e doutora em Biologia Celular e Estrutural pela Unicamp; tem pós-doutorado pela Universidade de Valência 

 

 

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