quinta-feira, 21 novembro

 

Não é segredo que a taxa de divórcio vem aumentando no Brasil cada vez mais. A porcentagem sobe não porque o número de casamentos cresce de forma proporcional, mas porque essa tem sido a tendência mesmo. O que causa o divórcio também não é mais segredo: infidelidade (dos mais variados tipos e formas), falta de comunicação (ou excesso de “comunicação” agressiva), divergências financeiras e violência doméstica (não respectivamente). E quando a causa da separação se torna uma estatística, fica até simples olhar para ela como um parasita fácil de ser combatido. Mas não é. Separações são complicadas porque relacionamentos também são. 

Logo, o que realmente precisa mudar para que os casamentos sejam mais funcionais não é apenas a conscientização dos possíveis separadores, mas a forma de enxergar o casamento como um todo. Se alguma coisa precisa ser combatida, essa coisa é a noção de que o casamento por si só garante alegria eterna isenta de autorresponsabilidade. 

SER OU NÃO SER? QUE COISA, NÃO? 

Em entrevista com o psicólogo Bruno de Luca, fizemos aquela que julgamos ser a pergunta mais abrangente da nossa conversa. Entretanto, a resposta foi rápida e assertiva. Segue o diálogo: 

Qual o problema de relacionamento que você mais ouve dos pacientes? 

Ele(a) não é o que eu gostaria que ele(a) fosse! Que coisa, não? 

O que foi inicialmente engraçado tornou-se a base de todo conteúdo que irei compartilhar nessa matéria. Percebi que as pessoas se aproximam e se afastam umas das outras pelo que elas escolhem acreditar que as outras são. Dessa forma, guiados por ilusões e desilusões, os relacionamentos se constroem e se destroem. 

Lembro-me de um livro intitulado Calma. Sem imagem nem ilustração, a capa atraía pela mensagem direta e a sensação de tranquilidade que o título emitia. Era quase como se o conjunto de páginas estivesse gentilmente consolando o dono de qualquer par de olhos que pousasse a visão nelas e sussurrasse “ei, as coisas vão ficar bem”. 

Em vez de uma explanação de técnicas de relaxamento para manter a calma em momentos de crise, os autores do livro arriscaram uma proposta alternativa para lidar com as ansiedades. Em cada capítulo, a impaciência e as preocupações diárias são interpretadas como portadores de informações valiosas prontas para serem decodificadas. O ponto é: Quais são essas informações e o que elas dizem sobre nós? 

EXPECTATIVAS NAS RÉDEAS 

O primeiro capítulo de Calma é sobre relacionamentos amorosos – a primeira (e talvez maior) fonte de preocupação, irritação e frustração. Há uma fantasia coletiva, uma sensação esperançosa de que nossas tristezas e inquietações serão mandadas embora por meio do amor. Para incrementar essa fantasia, o ideal de felicidade se junta a ela. “Serei feliz quando encontrar o amor da minha vida.” Assim pensam os iludidos, mal sabendo que esse pensamento implica a crença de que as outras pessoas são responsáveis por lhes fazerem felizes. E é nessa transferência de autorresponsabilidade que a bola de neve se forma. 

Nathaniel Branden, autor do livro Os Seis Pilares da Autoestima, define autorresponsabilidade como “a disposição de assumir a responsabilidade por nossa própria vida, de fazer escolhas conscientes e de responder pelos resultados de nossas ações”. Em outras palavras, não é o outro que vai lhe fazer feliz, mas, sim, os resultados das suas escolhas. 

Claro, somos fortemente influenciados pelo outro, mas não podemos deixar que nossas emoções e nossa própria felicidade dependam disso. Por exemplo: tente quantificar o esforço que você coloca para fazer o outro feliz. Se parar para pensar, é menos do que imaginava. Assim é com o outro também. Nem sempre seu cônjuge vai conseguir ou até mesmo decidir algo prezando somente a sua felicidade. Isso é normal e não se deve esperar nada além disso. 

Dessa forma, o livro Calma sugere um leve pessimismo como a solução para lidar com expectativas. 

AS DUAS CAIXAS 

Mas, calma! Antes de supor que a solução para o divórcio seja fazer cara feia para tudo, deixe-me explicar. Apesar de parecer nocivo ao amor, o pessimismo pode ser uma boa ferramenta. Muitas vezes, é ele que nos coloca de volta na órbita. Por isso entenda que nem sempre vai ficar tudo bem. E que novos desafios vão surgir assim que você tiver superado o anterior. E que a vida não pega leve com ninguém. E que você vai conseguir viver feliz mesmo assim. 

Quando estava no ensino médio, lembro-me claramente dos momentos de angústia existencial. Comecei a notar hipocrisias institucionais; que alguns amigos meus não eram tão amigos assim; e que as pessoas, com raras exceções, mentiam frequentemente para se sentir melhores sobre si mesmas. Eu chorava amargamente quando minhas expectativas em relação aos outros eram quebradas, e como uma criança 

perdida recorria ao meu pai para entender o porquê de as coisas serem assim. 

Numa dessas vezes ele me contou a história de um homem que certo dia ganhou duas caixas de um sábio. O sábio disse para o homem abrir a caixa preta apenas quando estivesse muito triste e a caixa branca, quando estivesse muito feliz. 

O homem guardou as caixas e continuou seguindo sua vida normalmente. Certa manhã de segunda-feira, o homem estava se arrumando para o trabalho e recebeu uma ligação de seu chefe, dizendo que a empresa estava falida e que precisaria demiti-lo. No mesmo dia, o homem foi assaltado e perdeu todo o dinheiro que tinha guardado. 

Ele estava arrasado. Passou noites em claro até que se lembrou das caixas. Correu para o sótão e ansiosamente abriu a caixa preta. Qual não foi sua surpresa ao encontrar dentro dela um pedaço de papel com os dizeres “vai passar”. Indignado, o homem foi para seu quarto chorar de raiva. Mas o tempo passou. Ele se mudou para uma casa menor e descobriu que poderia se reinventar. Casou-se com uma linda mulher e abriu seu próprio negócio. 

No dia do nascimento do seu primeiro bebê, chorou de alegria e lembrou dos dizeres do sábio, de que a tristeza passava. Nesse dia de tanta comemoração e felicidade, voltou ao sótão para abrir a segunda caixa. Assoprou a poeira e bem no fundo daquele grande cubo havia apenas um pedaço de papel com os dizeres: “Vai passar.” 

O TEMPO 

Apesar de a história não ser estritamente sobre casamentos, ela ilustra o quanto é inevitável passar na vida por momentos bons e ruins. Momentos bons com nossos parceiros são únicos, mas eles passam. Por isso, nunca deveríamos nos apegar somente a eles. 

“Nossa mente é infinitamente sutil e cavernosa”, diz o livro Calma. “Não admira que os outros nunca consigam entender seu conteúdo. Saberíamos, ao longo do tempo, que as normas seriam pequenas incompreensões. Não nos zangaríamos nem nos surpreenderíamos. Desde o começo, nossas expectativas seriam devidamente ajustadas. Não ficaríamos amargurados nem na defensiva por causa disso; apenas gratos por ter sabido o que esperar.” 

O tempo revela o verdadeiro tamanho dos problemas, por isso, tenha paciência antes de julgar uma situação como terrível ou perfeita. Essa verdade também se desenrola na vida sexual do casal. 

SEXO NO CASAMENTO 

De acordo com uma pesquisa do National Survey of Sexual Health and Behavior, cerca de 84% dos casais que estão em um relacionamento monogâmico relataram ter um nível alto de satisfação sexual. Para De Luca, “o sexo é parte importantíssima no casamento, senão o próprio casamento”. Por isso, quando pautamos a relação sexual como insatisfatória dentro do casamento, é certo que esse matrimônio está “manco” e precisa de auxílio. 

Se ambos merecem uma relação sexual carinhosa e prazerosa em seu matrimônio, é importantíssimo saber como irão conduzir e como gostariam também de serem conduzidos. É preciso entender e se fazer entendido quanto aos seus gostos. Assim como a comunicação é necessária na hora de dividir tarefas, expor necessidades emocionais e resolver problemas, ela também precisa ser o fundamento do sexo. 

Para a conselheira familiar Mirian Montanari, é preciso ter uma percepção melhor do ato sexual. Mirian explica que o sexo vai muito além da excitação física, relação sexual e técnicas. “Essa união deve incluir alegria, confiança, domínio-próprio, compromisso, cuidado altruísta, respeito, amor-próprio e amor ao próximo”, esclarece. 

Ela acrescenta: “Sem o companheirismo amoroso e terno, o sexo se limita a qualquer atividade a dois, perdendo a perspectiva e tendo respostas cada vez menores, pois ele une e excita, porém, é o relacionamento que fornece o sentido.” 

COMO CONVERSAR

Muito se estima o diálogo. Dizem que um casal feliz é aquele que sabe conversar. Porém, que conversa seria essa? Qual é a mais adequada? Você já sabe quando conversar, que horas conversar ou em que momento ou lugar poderia conversar?

De Luca explica: “Em algum momento na sua infância, você provavelmente já passou pela situação de precisar pedir dinheiro a seus pais. Se eles parecessem bravos, estressados ou irritados num determinado dia, você acharia uma boa ideia pedir o dinheiro naquele momento? Muito provavelmente, não! Por questões óbvias você já saberia qual seria a provável resposta e ainda continuaria sem a grana. De igual forma, quando pensamos numa conversa de casal, não vale que ela seja qualquer conversa. Precisa ser uma conversa preparada.”

O melhor momento para discutir relação existe. “Costumo dizer aos meus pacientes que a melhor hora para se discutir a relação é no jantar romântico! Ou você acha mesmo que conseguiria discutir a relação depois de ter sido ofendido(a)? É claro que não. Portanto, evite discutir a relação nos momentos mais tensos e procure depois separar um momento para dizer ao seu cônjuge seus desagrados e incômodos”, aconselha De Luca.

essa relação alcance não apenas maturidade, mas também traga para o casal a harmonia almejada por ambos. O terapeuta frisa a importância de pedir ajuda: “Mas e se eu dissesse ou ouvisse do meu marido/esposa o que ele(a) realmente pensa sobre mim ou sobre nossa relação, eu não suportaria! Em casos mais extremos de dificuldade, sempre é válida a intervenção de algum profissional para o melhor manejo e auxílio de tais demandas.”

Na conversa se tem a oportunidade de aprender a lidar com a verdade e não manter a relação flutuante, fantasiosa ou até mentirosa para o casal. “Lide com a verdade. E o faça com o máximo de maturidade possível. Outro ponto que se entende ser de grande valor é justamente o casal estar atento a essa dinâmica de reciclagem ou manutenção. Como disse anteriormente, ao longo dos anos, vamos mudando muito nossas percepções a respeito da vida e de como a vivemos”, comenta Bruno.

“Sendo assim, o que antes gostávamos muito, talvez agora não gostemos mais. O que antes fazíamos, agora não podemos ou não conseguimos mais, e por aí vai. É necessário que dentro de uma frequência estipulada em comum acordo, ou feita de forma espontânea conforme sentem a necessidade, o casal trace novos planos para que a relação continue tendo razões para não apenas se manter, mas para que esse laço afetuoso seja redefinido conforme necessidades ou prioridades que passam a surgir ao longo dos anos”, complementa Bruno.

VIVENDO COM CALMA 

Diante de tudo o que foi explorado, como podemos ter paz em nossos relacionamentos? Para Bruno, seria fugindo das idealizações mirabolantes que se tem a respeito do casamento. As expectativas podem ser das mais variadas, e é claro que isso vai variar muito de pessoa para pessoa. Tratando-se de casamento, o tempo de convívio entre o casal pode revelar maneiras que agradam ou que desagradam um ao outro, e a depender desse tempo de convívio, tais expectativas podem ser frustradas. Bruno enfatiza: “Um detalhe importante que vale ressaltar é que as expectativas não atendidas são decepções minhas e não decepções causadas pelo outro.” 

Devemos ressignificar o casamento, nossa percepção do outro e de nós mesmos. Precisamos entender que o ser amado não é a mesma pessoa que nós; o início não indica o que virá pela frente; e a infância de ninguém foi normal. Por causa de tudo isso, não deveríamos duvidar se a pessoa com que estamos é imperfeita ou problemática, mas até que ponto ela é. 

No quesito da autorresponsabilidade, é preciso praticar a individualidade. Relacionamento não é prisão e não deve afogar a personalidade de ninguém. Bons casamentos são aqueles em que a individualidade de cada um é também respeitada e até incentivada. Estar em um relacionamento já pressupõe abdicar ou abrir mão de algumas coisas. No entanto, isso não significa nem deveria significar que seus aspectos individuais morreram e não mais serão estimulados. 

De Luca reforça: “Se hoje você optou por um casamento, a vida de solteiro precisa ser deixada e mantida no passado, mas creio muito ser importante que você mesmo não se esqueça de que antes de repartir seu tempo com o cônjuge e os filhos, é também um ser humano dotado de necessidades as quais merecem atenção.” Do contrário, o casamento se torna uma bolha na qual não há condições de se esperar que tudo que você precise esteja dentro. 

“Você continua precisando de amigos, lazer, atividades individuais, até para que seu relacionamento respire um pouco a fim de não o desgastar”, diz o terapeuta. Imagine despender toda a energia numa relação. O que sobraria para as outras áreas da sua vida? Quem vai cuidar de você? Por isso, é de extrema importância saber respeitar e bem direcionar sua individualidade no casamento. 

Para a terapeuta familiar, Mirian Montanari, a individualidade tem que ver com amadurecimento próprio. Afinal, todos temos bagagens trazidas do meio familiar que podem comprometer a interação conjugal. Buscar esse crescimento constantemente torna os cônjuges cada vez mais capacitados a fazer um casamento feliz. Ela enfatiza: “Devemos focar nas virtudes do outro, e não nos defeitos. Defeitos todos temos, e se escolhermos ver apenas os defeitos nunca alguém nos bastará. Quando focamos nas virtudes, fortalecemos os pontos fortes do outro e o estimulamos a superar seus pontos fracos.” 

Portanto, se queremos ser felizes e bem-sucedidos em nossos relacionamentos, precisamos nos livrar de expectativas irreais e aprender a viver com a realidade um dia por vez, com calma, muita calma. 

Julie Grüdtner

Jornalista 

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