Dez estratégias para educar a próxima geração para uma vida mais intensa e menos tensa. Débora Carvalho
A família contemporânea enfrenta um momento de mudanças no comportamento social sem precedentes. A era digital alterou drasticamente não apenas a comunicação e os negócios, mas também a noção de hierarquia, a estrutura familiar e os relacionamentos, além da forma de aprender e de perceber o mundo. Quem sofre violentamente com tanta inovação são a mente e as emoções – de adultos e crianças –, já que o mundo mudou, mas o funcionamento e o desenvolvimento do cérebro permanecem iguais.
O grande problema está na inimizade entre a natureza do desenvolvimento da mente humana e as alterações no comportamento social que as famílias e as escolas enfrentam há algumas décadas, especialmente a partir dos anos 2000. A era digital mudou nossa cultura rápido o bastante para nos deixar perdidos, quase “loucos”, sem saber como viver neste mundo em que a única certeza é de que tudo vai mudar amanhã. A sensação de insegurança, o desapego constante, o vício em novidades, distúrbios de ansiedade e depressão são apenas alguns dos problemas que já se tornaram comuns.
Uma família estruturada não é mais garantia de filhos com personalidade saudável. Filhos de boas famílias estão atravessando graves conflitos, estão ansiosos demais, alienados da realidade, autoritários, angustiados. A sociedade se tornou uma fábrica de estresse. A quantidade de estímulos e a pressão emocional que o sistema exerce vencem a disputa entre os valores da família e o individualismo ensinado pelo sistema. Quase não há liberdade de escolha.
Tudo isso é fruto da cultura digital. De acordo com o doutor em Antropologia e professor Rodrigo Penna-Firme, a educação também é fruto e está sujeita à cultura. “Só percebemos e tomamos consciência do que pensamos e fazemos quando nos deparamos com outras culturas que nos chocam ou nos mostram que certos valores da cultura a que aderimos não nos fazem bem”, declara. As instituições educacionais são relativamente recentes como invenção humana, e é importante ter ciência de que, “antes de o saber ser institucionalizado, a transmissão de conhecimento acontecia de outras formas, e se elas sumirem ou mudarem, continuaremos vivos. Bebês sempre nasceram antes de termos UTIs neonatais e obstetras”, aponta Penna-Firme.
“É preciso um sistema que gera estresse, culpa, medo para se produzir conhecimento? A Bíblia já dizia que estudar muito é estressante (Eclesiastes 12:12). Imagine o que Salomão diria sobre o excesso de conteúdo que crianças menores de dez anos hoje precisam estudar – e não conseguem aprender – já nos primeiros anos do Ensino Fundamental! Tudo isso à custa da infância, das brincadeiras, do relacionamento com parentes, da doença mental, obesidade, ansiedade e depressão. Vale a pena?”, questiona o antropólogo.
O ESGOTAMENTO DA PASSIVIDADE
O professor Augusto Cury conta que antes do século 16 e do surgimento das escolas as crianças e os adolescentes eram “alfabetizados” em uma profissão a partir da observação e da prática. “As dificuldades e limitações eram superadas no processo de aprendizado entre mestre e aluno. Eles aprendiam a aprender, e a educação tinha sentido existencial e prático”, afirma.
A transformação dos alunos em espectadores passivos “é um modelo desinteligente que se esgotou na era digital, em que smartphones seduzem a atenção muito mais do que os mestres cultos e eloquentes da educação clássica, e, assim, os educadores perdem a capacidade de influenciar”, avalia Cury. As imagens das telas são registradas na memória e competem com a imagem dos pais e professores. Como resultado, as crianças e os adolescentes não produzem emoções e pensamentos inteligentes. Pais e professores “gritam” para ser ouvidos – e já nem isso chama mais a atenção das crianças, pois elas ficam indiferentes aos mesmos berros de sempre.
A escola cartesiana tradicional afeta o processo cognitivo, inibe o raciocínio mais complexo, como “a capacidade de se colocar no lugar dos outros, a interpretação multifocal de textos, a indução, a abstração e a imaginação – e isso causou danos irreparáveis à humanidade”.
MEXEMOS NA CAIXA-PRETA DA INTELIGÊNCIA
“Nunca deveríamos ter mexido na caixa preta da inteligência”, declara Cury. A velocidade dos pensamentos não poderia ter sido aumentada cronicamente, pois isso acarretou diminuição da concentração e aumento de ansiedade. O excesso de informação e de estímulos produzidos contribuiu para gerar a Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA). A ansiedade da SPA gera uma compulsão por novos estímulos, uma dependência por novidades. “Não devíamos ter mexido com o cérebro de nossas crianças!”, exclama.
A primeira causa da SPA é o excesso de estímulo visual e sonoro produzido pelas telas, que inibem até mesmo a produção de melatonina, o hormônio do sono, da memória e do crescimento. A segunda causa é o excesso de informações. A terceira, é a paranoia do consumo e da estética. Tudo isso diminui a capacidade de interiorização.
Para o especialista em neuroeducação, administrador e publicitário Rodrigo Quintão, fundador da startup escola de pais on-line Mundo em Cores, a SPA é uma condição generalizada do mundo atual. “A expectativa por uma resposta imediata cresceu muito. Você envia uma pergunta no WhatsApp e quer resposta imediatamente. Um e-mail não respondido até à tarde e o cliente já procura a concorrência. Tudo é instantâneo, como se no mundo só existissem você e suas necessidades”, relata.
“Todas as informações de um curso inteiro de Medicina podem ser encontradas na internet. O impacto do acesso total à informação mudou o papel dos educadores. É preciso ensinar os filhos a ser ‘curadores’ da informação que lhes chega, saber escolher que informações consumir. Para isso, é necessário ter clareza de quem se é e do que você precisa. “Somente um olhar para dentro mais do que olhar para fora vai desacelerar um pouco a mente e trazer a segurança que acalma a ansiedade do imediatismo”, observa Quintão.
Pesquisas mostram que os fundamentos para a aprendizagem, saúde e comportamentos para a vida toda são fundamentados nos primeiros cinco anos de vida, a partir de tudo o que a criança vê, ouve, toca, cheira e saboreia. As sinapses essenciais para habilidades como motivação, autorregulação, resolução de problemas e comunicação são formadas – ou não – nesses primeiros anos. Todas as interações influenciam para o bem ou para o mal, incluindo hábitos saudáveis de alimentação, atividade física e sono.
As etapas da infância são: existir, explorar, descobrir-se, pensar, ser e desenvolver habilidades. A cultura digital está roubando a infância das crianças que crescem cada vez mais passivas, já não sabem brincar e ter imaginação. A sabedoria milenar da Bíblia já aconselhava: “Ensine a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele” (Provérbios 22:6). Mais tarde, será muito mais difícil que essas conexões essenciais se formem. “Ensine a criança” é uma recomendação que demonstra a responsabilidade dos adultos que interagem com as crianças – adultos em formação.
O ESTRESSE DO ISOLAMENTO
A professora e psicoterapeuta familiar Claudia Bruscagin diz que tem atendido (on-line) pais e professores aos prantos, desesperados e com medo das novas exigências e expectativas na relação escola-aluno-família. “Algumas escolas pecaram no excesso de conteúdo como tentativa de mostrar trabalho. Em contrapartida, muitos pais se veem despreparados ao descobrir que não conseguem auxiliar os filhos nas atividades”, relata.
Para evitar o estresse das demandas das aulas em casa, Cláudia recomenda ponderação. “Não há necessidade de atividade dirigida o tempo todo; os pais não são parque de diversões. As crianças precisam aprender a se entreter sozinhas, inventar suas próprias brincadeiras, e até mesmo ficar sem fazer nada”, explica. “Uma criança de cinco ou seis anos não pode estudar mais que uma hora por dia, e não tem que escrever nem fazer conta. A escritora Ellen G. White, no início do século 19, já aconselhava os pais a colocar os filhos na escola somente a partir dos nove anos, pois as formigas e as flores no quintal ensinam mais do que os livros”, menciona.
Para relaxar em família
• Troque os entretenimentos frenéticos por atividades mais contemplativas com imagens da natureza, uma boa leitura, atividades manuais, tocar um instrumento.
• Substitua o imediatismo do delivery por preparar juntos a pizza de sábado à noite.
• Desligue as telas e promova momentos de quietude, ao som de músicas clássicas e diálogos.
• Separe um dia fixo na semana para um descanso relaxante; esqueçam as preocupações. Por exemplo, “sábado é o dia de contemplar o verde”.
• Faça atividade física nas condições que tiver: subir escadas, dar uma volta no quarteirão, acompanhar uma aula de ginástica em vídeo na sala. Mexam-se!
Débora Carvalho é jornalista empresarial
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