Culpa Saudável
A culpa é considerada doentia por muitos intelectuais e por algumas teorias psicoterapêuticas. Para os humanistas, no entanto, o conceito é um pouco diferente: existe uma culpa intrínseca vinda de uma consciência intrínseca. Um dos pioneiros do Humanismo, A. Maslow, disse que o intrínseco apresenta raízes biológicas, pois a condição biológica do ser humano é um componente fundamental para a realidade de sua existência.
Maslow tenta demonstrar isso no que chama de Valores B, ou, Valores de Ser. São valores como verdade, justiça, beleza, bondade, transcendência e outros que apontam para o ideal. Ele escreveu “Quando nós traímos um valor B (de ser), nos ferimos. Além disso, essa traição implica numa necessidade de punição, a qual pode também ser fraseada positivamente como um desejo, via expiação, de se sentir limpo de novo.
As necessidades da vida e a culpa
Os valores humanos do ser estão intimamente ligados às necessidades básicas do nosso organismo. Os teóricos da psicologia especificam pelo menos cinco: crescimento, autoatualização, autorregulação ou determinação, individuação e relação com os outros. Erwin Staub, no seu livro Psychology of Good and Evil, também sugere as necessidades de segurança, identidade, sentimentos de eficiência e controle, conexão positiva com outros, autonomia e compreensão da realidade “funcional” da vida.
A satisfação das necessidades básicas é fundamental para predispor o indivíduo a tomar uma atitude positiva de cuidar, de colaborar e cultivar um espírito pró-social ou altruísta. Por outro lado, as necessidades frustradas geram sentimentos negativos e hostis contra as outras pessoas, além de provocar um estado de vulnerabilidade e constante descontentamento. Nossa vida interior é afetada pela satisfação ou frustração dessas necessidades.
Parcialmente, isso depende de nós. A partir de certa idade para frente, vamos construindo nosso futuro e, por mais que neguemos a autoria de nossos comportamentos, por meio da consciência sabemos quanto participamos deles ou não. Muita culpa vem da negação de nossa participação ou do fingimento de que não percebemos ou participamos.
Culpa patológica x culpa saudável
Podemos ter muita culpa por imposição vinda do exterior, cobranças de comportamentos que não são praticados pelos cobradores. São as culpas patológicas, mas nem toda culpa é doentia. Há aquelas culpas que são saudáveis, verdadeiras, benéficas para a vida.
A culpa saudável funciona como agente poderoso para nos orientar rumo ao equilíbrio e assertividade diante da vida e dos outros. Ela protege nosso organismo quando o desrespeitamos com excessos diversos. Podemos perceber esses resultados quando assumimos o erro e somos impelidos a corrigi-lo. Assim que é feita a correção aliviamos o desconforto interior. Quando praticamos um comportamento que afeta um dos princípios básicos de nosso caráter nos sentimos mal. É a dor da culpa saudável pressionando pela mudança do comportamento inadequado. A dor só alivia quando melhoramos nossa conduta.
A culpa saudável está sempre voltada para nosso comportamento, nossa ação, nossa conduta e não para nosso ser. As origens da nossa culpa é a decisão que tomamos, é a escolha que praticamos, mas não é o nosso ser. A culpa é humana. Quando saudável, ela nos corrige nos momentos em que desviamos da rota do crescimento; nos pune quando traímos nossa natureza interior; nos chama à realidade quando nossos princípios entram em discrepância com nossas práticas.
Faz parte sentir culpa
Apesar da dor, a culpa verdadeira é necessária para buscarmos o equilíbrio moral. Acreditando ou não, o bem e o mal existem e nós somos aperfeiçoados, melhorados pela busca do bem, fator que está intimamente ligado à nossa necessidade de crescimento.
A culpa verdadeira é uma dor que varia de intensidade, conforme a consciência e a gravidade do mal causado. A dor precisa ser interrompida pela providência de alternativas que a solucionem. Isto é, o alívio vem pela busca da remissão do erro e do aprendizado que leva a uma correção na próxima vez. É a dor que nos inspira a agir melhor no futuro. Quando outras informações, dicas ou sinais falham aparece a dor para nos motivar a caminhos melhores.
A culpa é saudável quando contribui para corrigir, e doentia quando se torna autoacusação. Para saber como lidar com a culpa, é preciso afastar-se da patológica e obedecer à saudável. Saber quando é culpa real, saudável, e quando é apenas cobrança externa ou culpa doentia se torna fundamental para nosso bem-estar físico e mental. Só por meio desse conhecimento podemos desenvolver a habilidade de lidar com ambas.
Nossas necessidades básicas só serão reconhecidas quando aprendermos a respeitar e administrar nossas emoções, e podemos começar pela identificação da verdadeira culpa. Deixemos a emoção nos informar e motivar uma vida saudável e digna de ser vivida e não de sofrimento.
Belisário Marques é doutor em Psicologia
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