As chamas de Notre-Dame
Ano passado estive em três países da Europa nos quais realizei séries de palestras. Na ocasião, aproveitei para visitar alguns lugares históricos, entre eles a famosa e lindíssima Catedral de Notre-Dame, em Paris, cuja construção teve início em 1163. A mais famosa edificação gótica do mundo resistiu a saques, terremotos, à profanação por parte dos revolucionários da Revolução Francesa, mas não resistiu às chamas que consumiram um patrimônio histórico de valor incalculável, no fatídico e triste 15 de abril de 2019.
Enquanto contemplava estarrecido na tela do computador as chamas devorando aquele tesouro de quase 900 anos, uma série de pensamentos passava pela tela da memória. Lembrei-me das colunas de pedra e dos belíssimos vitrais; lembrei-me das gárgulas assustadoras que saem das paredes do templo; e pensei até no incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro, no ano passado. O mesmo sentimento de perda; a mesma tristeza por algo que não se pode ter de volta. Então pensei em duas coisas relacionadas de alguma forma à tragédia parisiense.
Primeiro, nas perdas desta vida; nas pessoas e nas coisas que não valorizamos e que, quando faltam, nos damos conta da real preciosidade. Elas estão ali, todos os dias, corriqueiramente. Fazem parte da nossa rotina, do cenário com que estamos tão acostumados. Mas nos esquecemos de que neste mundo nada é eterno, nem as catedrais de pedra, quanto menos as pessoas com seu prazo de validade bem mais curto. Portanto, vamos valorizá-las e sejamos gratos por elas.
A segunda das muitas coisas em que pensei foi o que realmente conta nesta vida e que poderá durar para sempre. Tudo o que o ser humano constrói e cria, um dia terá fim. Ou será derrubado por uma catástrofe ou deteriorará com o tempo. Os grandes feitos dos quais nos gabamos são transitórios. Todos eles! Até o Universo, sob a ótica naturalista, um dia terá fim. E bem antes que isso aconteça, sob a mesma ótica, a Terra será engolida pelo Sol. Tudo o que edificamos e a própria vida um dia não mais existirão. No entanto, sob o ponto de vista cristão, existe algo que pode ser eterno, dependendo da nossa escolha: o caráter. Sim, nossa essência, nós mesmos, nossas lembranças poderão durar para sempre, se aceitarmos o plano que Deus estabeleceu há muito tempo.
Quando fui visitar a Catedral de Notre-Dame pela primeira vez, as portas estavam fechadas. O horário de visitação havia encerrado. Inconformado, fiz de tudo para voltar lá no dia seguinte, e não me arrependi. Pude visitar o interior do templo e me deslumbrar com a riqueza contida ali dentro, parte da qual agora são só cinzas. Há situações na vida em que teremos a chance de reparar erros passados e desfrutar de uma segunda chance. Mas nem sempre será assim. Por isso, pense bem em como você está edificando seu caráter: se para durar eternamente ou ser consumido pelas chamas.
Michelson Borges é Jornalista e editor da revista Vida e Saúde
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